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Descrição
Ian Kabra não consegue parar de pensar em certa garota de olhos verdes e cabelos castanho-avermelhados... Cansado de lutar contra seus sentimentos, ele decide ir para os Estados Unidos e se declarar a Amy.
Contudo, alguém de seu passado invade a mansão Kabra, forçando Ian a aceitar que há coisas bem piores do que uma constrangedora paixão.
Contudo, alguém de seu passado invade a mansão Kabra, forçando Ian a aceitar que há coisas bem piores do que uma constrangedora paixão.
Sete
meses após a caça às pistas
Ian Kabra olhou-se no espelho,
pigarreou e abriu seu coração.
- Amy - ele começou. E então parou.
- Amy. Amy, eu preciso... preciso lhe dizer que... - Ele parou novamente,
esfregou o rosto e estufou o peito. - Amy Cahill, eu acho você interessante.
Não, ela não era apenas interessante. Ela era... indescritível.
Havia tantas coisas em Amy que
estavam erradas, tantas coisas que Ian não
deveria gostar. Ela agora era mais rica que ele, mas ainda agia como se fosse
pobre. E muitas de suas roupas eram de algodão em vez de ceda.
Mas Ian percebeu que quase não se
importava mais com isso. Encarou o espelho mais uma vez.
- Sei que é um absurdo, mas não
consigo mais guardar segredo. Amy, suas roupas parecem ter sido escolhidas por
uma freira cega, seu irmão se comporta como o cruzamento de um macaco com um
carro de kart, e você tem tanto traquejo social quanto uma pedra. Mas eu gosto
de você, Amy. Muito. - Ele fez uma pausa. - Então, parabéns.
A porta do quarto se abriu e a
Natalie surgiu na entrada. Ian se afastou do espelho, porém, não conseguiu
encarar a irmã.
- É mesmo? - Natalie perguntou,
colocando a mão nos quadris. - Sério, Ian?
- O quê? - ele disse, como se não
houvesse nada de estranho em fazer um discurso em frente ao espelho antes de
viajar para outro país para se declarar a uma ex-arqui-inimiga.
Ele coçou a cabeça. Bem, era
estranho. E mais ainda pelo fato de ter sido gravado pela irmã. Mas Ian tinha
16 anos e era um Kabra. Não era de se esperar que tivesse jeito para essas
coisas? Não deveria saber as palavras certas para fazer Amy Cahill entender o
que ele queria dizer: isto é, ele gostava dela, independentemente de alguns fatores
que não vinham muito ao caso?
- Você acha mesmo que ela vai se convencer desse jeito?- Natalie perguntou. - É
melhor você nem ir.
- Ian suspirou. Não havia nada de
comum na vida de um Kabra, desde a mansão até os jatinhos particulares,
passando por jantares reservados com a rainha da Inglaterra. Uma coisa, no
entanto, era universal: irmãs menores podiam ser verdadeiras pestes.
- Eu vou, Natalie - ele disse. - Já
falamos disso antes.
- Ok. Vá e faça papel de idiota -
Natalie retrucou, dando de ombros.
- Por que você não sai para comprar
uma ilha particular ou coisa assim? - Ian estava irritado.
Natalie arregalou os olhos e ficou
boquiaberta por um instante.
- Você sabe muito bem que não posso.
Por que precisa ser tão cruel? - Ela virou e se afastou correndo, deixando Ian
com a atenção dividida entre o corredor e o espelho.
Ele ia para os Estados Unidos. Ia
dizer a Amy Cahill o que sentia por ela. Não tinha feito isso antes porque
achou que aqueles sentimentos não iam
durar. Mas duraram. Era ridículo, ele sabia. Aquilo tudo não tinha nada a ver
com o Jeito Kabra de ser. A reação de Natalie era prova disso. Mesmo assim, não
havia razão para não dar a notícia a Amy. Ela ficaria emocionada. E estava
precisando de boas notícias em sua vida.
Ian saiu do quarto e perambulou
pelos ambientes majestosos e ricamente decorados da mansão Kabra. Lustres
brilhantes pendurados no teto iluminavam os pisos polidos à perfeição.
Obras-primas de parentes famosos decoravam as paredes: Van Gogh, Picasso, Degas
e Rembrandt, para citar apenas alguns. Ian e Natalie praticamente cresceram num
museu, contudo, em vez de se intimidarem, sentiam prazer em estar naquela casa.
Eles não andavam na ponta dos pés quando passavam diante daquelas obras de
arte. Eram seus donos e sentiam que as mereciam.
Ou, pelo menos, que as tinham
merecido antes. Ian não tinha mais tanta certeza de como as coisas funcionavam
agora.
Ele encontrou Natalie na sala de
cinema vendo televisão. Sentou-se ao lado dela, deixando-se afundar numa das
poltronas de veludo. O mordomo, trajando o fraque de costume, fazia pipoca num
canto.
- Bickerduff - Ian falou -, vamos
fazer minhas malas esta noite. Vou para
os Estados Unidos em alguns dias.
- Está bem, senhor. - Bickerduff
levou pipoca aos irmãos.
Natalie lançou para Ian um olhar que
teria arrasado uma pessoa menos resistente.
- Como eu disse, é melhor você
aperfeiçoar seu discurso. Senão, nem me
daria ao trabalho de ir se fosse você.
- Ian a ignorou. Natalie tinha suas
opiniões, mas isso não queria dizer que eram corretas.
Ela não gostava de ser ignorada.
Pegou o controle remoto e começou a pressionar os botões. Os canais foram se
alternando com rapidez na tela do tamanho de uma parede.
"Mais
cereais..."
"Doutor!"
"Isabel Kabra..."
"No centro da cidade..."
- Espere! Volte! - Ian gritou.
Natalie voltou para o canal que
transmitia um telejornal. Ali estava o rosto da mãe deles. Os irmãos se
inclinaram na direção da tela; o coração de Ian começou a bater acelerado, como
se ele estivesse sendo perseguido.
"Requintada personalidade do
universo da filantropia e da arte, Isabel Kabra chocou o mundo no ano passado
ao ser presa pelo assassinato dos americanos Hope Cahill e Arthur Trent.
Acabamos de ser informados de que a senhora Kabra deixou o presídio em que
estava encarcerada nos Estados Unidos e vai cumprir o restante da pena em liberdade condicional,
comandando a organização beneficente AjudaOperaMilagres. Pelos termos da
condicional, Isabel Kabra não poderá sair da região de Boston, onde, há nove anos,
cometeu os assassinatos."
Natalie desligou a televisão e os
irmão ficaram sentados em silêncio por
um tempo, absorvendo a notícia: a mãe deles tinha deixado a prisão. Ian gelou,
sentindo os braços e o pescoço arrepiarem.
Seis meses antes, pouquíssimas
coisas fariam Ian Kabra hesitar diante da possibilidade de abrir vantagem na
caça às 39 pistas, a busca do segredo que tornaria quem o encontrasse a pessoa
mais poderosa do mundo. A disputa levara os participantes, entre os quais Ian e
Natalie, além de Amy e Dan Cahill. aos confins do planeta, e em vários momentos
quase tinha conduzido todos eles à morte.
Isabel ansiava por aquele poder
máximo, por isso, tinha feito coisas desprezíveis no afã de encontrar as pistas
e vencer a disputa. Assassinara os pais de Amy e Dan; dera um tiro no pé de
Natalie, a própria filha. Um tiro!
Ian conhecia a mãe melhor do que qualquer outra pessoa, e mesmo ele sentia
dificuldade em acreditar que isso tivesse acontecido.
Mas a prova estava na cicatriz no pé
de Natalie e no modo como ela agora se sentava, posicionando-o debaixo do
corpo, como se quisesse protegê-lo.
Isabel esperava que os Kabra fossem
os primeiros a encontrar as pistas. Tinha treinado Ian e Natalie desde o
nascimento para serem os astros implacáveis da família Cahill. E no começo Ian
gostava disso. A caça às pistas era a prova máxima de inteligência e ousadia, e
havia poucas coisas de que um Kabra gostava mais do que provar sua
superioridade.
A caça às pistas, porém, tinha sido
mais impiedosa do que Ian previra. Com algo tão importante em jogo, os
competidores começaram a enxergar uns aos outros como nada além de obstáculos,
em vez de seres humanos de carne e osso. Esperava-se que Ian e Natalie agissem
de acordo com essa visão, e os dois entraram em contato com um lado da mãe que
ninguém mais deveria ser forçado a conhecer. Ela quase os transformara em
assassinos. E, embora Ian não fosse propriamente um santo, sabia que não era um
assassino.
O processo tinha levado tempo - o
brotar de uma consciência a partir do nada não é fácil -, mas Ian e Natalie
descobriram que nenhuma recompensa justifica matar. Assim, eles dois, bem como
os outros primos, deram suas pistas a Amy e Dan Cahill - duas crianças, mas os
únicos aos quais era possível entregar
um poder daquela natureza. Aqueles Cahill não tinham motivações escusas; eles
não queriam dominar o mundo. Ian
desconfiava que só continuaram a participar da caça às pistas para impedir que
qualquer outro ganhasse, qualquer um que fosse usar o poder para o mal. E também para dar à sua falecida avó
razões para se orgulhar deles, algo tão típico dos Cahill que Ian achava quase
insuportável.
Isabel ficou furiosa com Ian e
Natalie. No final da caça às pistas, ela e o marido deserdaram os dois filhos.
Tinha sido extremamente desagradável, e Ian estremeceu ao lembrar-se de tudo.
Não era normal uma pessoa sentir-se assim em relação à própria mãe. Mas ele
duvidava muito de que houvesse outras mães como Isabel Kabra no planeta.
-Senhor - disse Bickerduff,
interrompendo os pensamentos aterrorizantes de Ian. - Sua bagagem já foi levada
ao seu quarto.
- Por quê? - o jovem quis saber.
- Para sua viagem aos Estados
Unidos, senhor.
É claro! Ele ia aos Estados Unidos, para
o mesmo lugar em que sua mãe estava, o mesmo lugar em que Amy e Dan estavam.
Dois Cahill e dois Kabra em Boston. Se Amy soubesse que Isabel tinha sido
libertada, talvez não concordasse em vê-lo. Mas que diferença faria o fato de
Isabel estar ou não em liberdade? Ian não deixaria de ser filho da mulher que
tinha assassinado os pais de Amy. A sensação era de que havia uma pedra em seu
estômago. O charme dos Kabra era impressionante, porém, nem mesmo Ian tinha
certeza de que isso pudesse superar uma condenação por homicídio.
- Bickerduff, acho que não vou.
-Está bem, senhor - disse o mordomo.
Natalie se levantou da poltrona e
cruzou os braços no peito quase como se estivesse dando um abraço em si mesma.
- Será que vamos ter nossa mesada de
volta?
- É nisso mesmo que você está pensando?
Se bem que, agora que a irmã tinha
tocado no assunto, Ian não acharia nada mal voltar a ser benquisto pelos Kabra.
Antes da caça às pistas, nunca lhes faltara nada, mas, depois que eles se
revelaram uma decepção tão grande para os pais, tinham empobrecido. Como covencedores
daquele desafio, receberam míseros 2 milhões de reais cada, e Ian tinha a
impressão de que Natalie andava se servindo da parte dele. Ian era um Kabra, e
desde a infância sabia de cor o telefone do corretor de ações da família. Ele
estava convertendo seus 2 milhões em um valor muito mais respeitável. Não que
por ora fosse dizer isso a Natalie.
- E você, está pensando em quê? Em
como Amy Cahill vai ficar triste? - Natalie perguntou.
Ian parou por um instante. Amy
ficaria triste ao ver Isabel fora da prisão. E precisaria de alguém para
confortá-la, alguém mais maduro que seu irmão ou aquela babá, Nellie.
Precisaria dele para ampará-la. Se
Ian se visse em maus lençóis, com certeza apreciaria o apoio de uma pessoa tão
madura e com tanto traquejo quanto ele próprio.
Bickerduff reapareceu na porta.
- Senhor, sua bagagem foi guardada.
- Por quê? - Ian indagou. - Preciso
fazer as malas. Vou para os Estados Unidos logo! Vá buscá-las, Bickerduff.
Arrumaremos tudo hoje à noite.
- Está bem, senhor. - disse
Bickerduff, dando meia-volta e saindo da sala outra vez.
- Você sabe que ela não vai querer
ver você - Natalie falou. - Foi nossa mãe que...
- Não fale - Ian a interrompeu.
Mas Natalie tinha razão. A
libertação provisória de sua mãe tinha atrapalhado seus planos. Amy talvez
pensasse que ele estava lá a serviço de Isabel, mas não era nada disso, não mesmo.
Amy saberia que não era, certo? Ela sabia o que Ian tinha feito no final da
caça às pistas, sabia do que ele tinha aberto mão.
- Alguém precisa falar - Natalie
disse, mexendo-se na poltrona. - É nisso que estou pensando, na realidade. Às
vezes me pergunto como estariam as coisas se ela não tivesse sido presa. Se não
tivesse... provocado aquele incêndio.
- Natalie, pare. Pare com isso.
Eles não deviam falar a respeito.
Falar sobre aquele assunto o tornaria real, destacaria o caráter horrendo dos
acontecimentos. Se os irmãos Kabra continuassem fingindo que aquilo não tinha
acontecido, poderiam fazer de conta que seus pais estavam longe, à procura de
alguma obra de arte ou velejando num arquipélago tropical.
- Não, só estou dizendo que às vezes
fico pensando. Fico imaginando como seria se ela fosse uma dessas mães que
levam a filha à aula de balé, que torcem pelo filho numa partida de polo; uma
mãe que não espera tanto das pessoas.
Os dois fizeram silêncio. Ian jamais
admitiria que às vezes sentia o mesmo. Só às vezes. Não... em grande parte do
tempo.
- Muito de vez em quando, sinto
saudades dela. Às vezes eu gostaria que ela fosse diferente.
- Então... - Ian respondeu. - Nesse
caso, não teria sido você.
- Não gosto de mim mesma o tempo
todo - Natalie admitiu.
- Eu também não gosto de mim sempre
- Ian disse.
Um silêncio se instalou entre eles.
Um Kabra admitindo que não gostava de si mesmo, deixando de pensar que todos os
astros tinham se alinhado para conduzi-lo à grandeza, era algo inusitado. Mas é
verdade, Ian refletiu.
- Bickerduff! - ele chamou o mordomo
novamente.
- Sim, senhor.
- Não vou mais - Ian disse. -
Cancele meu voo.
- Está bem, senhor.
Dessa vez, Bickerduff quase conseguiu
sair da sala.
- Não, espere.
Ian não sabia o que pensar da mãe,
de Natalie, nem dele próprio em boa
parte do tempo, mas tinha certeza de algumas coisas. Primeiro: queria ir a
Boston. Segundo: era um Kabra, e os Kabra conseguiam o que queriam.
-
Bickerduff, busque meu paletó.
Se ele ia viajar a Boston, seria com
estilo.
***
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